O trabalho do perito avaliador de imóveis


João Fonseca | Perito avaliador de imóveis certificado
 

Por vezes, existe a tentação de pensar que o trabalho de um perito avaliador de imóveis certificado é um pouco como molhar um dedo, colocá-lo ao ar e ver de que lado vem o vento. Foi o que me aconteceu esta semana, quando um potencial cliente me escreveu o seguinte, após receber a minha proposta: “Solicitamos, se possível, um relatório de avaliação simples e sem detalhes, apenas com a indicação do valor para uma possível futura venda.”

 

Este artigo, ocasionalmente muito extenso, tem como objetivo mostrar um pouco como é o nosso trabalho!

 

A avaliação imobiliária é uma atividade técnico-profissional regulamentada, que visa estimar, de forma fundamentada e imparcial, o valor de um determinado ativo imobiliário, num dado momento, para um fim específico. Esta atividade é regida, a nível internacional, por um conjunto de normas de boas práticas, destacando-se:

 

-As IVS, International Valuation Standards, emitidas pelo International Valuation Standards Council (IVSC);

 

-As EVS, European Valuation Standards, publicadas pelo The European Group of Valuers’ Associations (TEGoVA).

 

Estas normas não apenas uniformizam procedimentos, como também asseguram que o processo de avaliação decorre segundo critérios de transparência, coerência, imparcialidade e rastreabilidade. A seguir, descreve-se de forma detalhada cada uma das principais etapas de um processo de avaliação de imóveis em conformidade com os referidos referenciais.

 

1. Verificação de Conflitos de Interesse

Antes de aceitar um mandato de avaliação, o perito avaliador tem a responsabilidade de analisar a existência de quaisquer circunstâncias que possam comprometer a sua independência e objetividade. Esta etapa, frequentemente desvalorizada, é uma salvaguarda essencial da integridade do processo avaliativo.

 

A verificação é geralmente efetuada com recurso a uma “checklist” interna, onde se analisam, entre outros:

 

-Relações familiares, comerciais ou profissionais entre o perito avaliador e o cliente;

-Participações diretas ou indiretas do perito (ou seus familiares próximos) nos ativos a avaliar;

-Situações em que o imóvel já tenha sido avaliado anteriormente pelo mesmo profissional, para diferentes clientes, com objetivos distintos.

 

Quando identificado um conflito material, o avaliador deve declinar o trabalho ou, em casos excecionais, atuar mediante declaração expressa de imparcialidade e consentimento informado das partes envolvidas, conforme previsto nas IVS.

 

2. Definição dos termos de contratação

Esta etapa consiste na estruturação contratual e técnica da avaliação.

 

O documento deve ser acordado entre as partes antes de qualquer trabalho efetivo de avaliação. Trata-se de um instrumento contratual que define, com exatidão, os contornos da prestação de serviços, incluindo:

 

 -A identificação do cliente e do perito avaliador;

 -A descrição e localização dos bens imóveis a avaliar;

 -A data de referência da avaliação, que poderá ou não coincidir com a data de inspeção;

-O propósito da avaliação (por exemplo: apoio à decisão de compra, financiamento, reporte financeiro, partilhas, etc.);

-As bases de valor aplicáveis (valor de mercado, valor de investimento, justo valor, ...);

-Os pressupostos gerais e especiais que fundamentam a avaliação (imóvel livre de ónus, pronto a habitar, ou sujeito a restrições de uso);

-Limitações ao uso do relatório e forma de entrega dos resultados.

 

Este documento deve ser formalizado por escrito, podendo revestir a forma de contrato ou termo de aceitação. Sem este documento, a avaliação carece de legitimidade formal e técnica.

 

3. Articulação entre Propósito da Avaliação e Base de Valor

Um dos elementos mais críticos na definição do documento anterior é a clara identificação do propósito da avaliação (Purpose of Valuation), pois este determina, em larga medida, a base de valor a aplicar.

 

A base de valor corresponde ao conjunto de pressupostos sob os quais será estimado o valor do ativo. Diferentes objetivos justificam diferentes perspetivas de valor.

 

Exemplos de articulação:

-Venda voluntária de habitação própria permanente

        Propósito: Apoio à fixação do preço de colocação no mercado;

        Base de valor: Valor de Mercado, conforme definido nas IVS.

 

-Negociação de uma renda habitacional

        Propósito: Estabelecimento do valor contratual justo;

        Base de valor: Renda de Mercado.

 

- Compra de um edifício para rentabilização com yield desejada de 8%

        Propósito: Apoio à decisão de investimento com base em critérios financeiros;

        Base de valor: Valor de Investimento (Investment Value ou Worth), que pode divergir significativamente do valor de mercado, por refletir o retorno esperado do investidor.

 

4. Inspeção e Recolha de Informação Técnica e de Mercado

Após a aceitação formal dos Termos de Contratação, o perito está em condições de iniciar a fase de inspeção física do imóvel, seguida da recolha de documentação técnica e legal, nomeadamente:

 

-Certidão predial;

-Caderneta predial;

-Licença de utilização;

-Plantas, alçados e cortes;

-Contratos de arrendamento, se aplicável;

-Registos de encargos, servidões ou ónus reais.

 

Simultaneamente, deverá recolher dados de mercado comparáveis, fundamentais para a justificação do valor, quando a metodologia de avaliação se basear em comparação, capitalização de rendas ou métodos híbridos.

 

5. Elaboração do Relatório de Avaliação

O relatório final deve seguir uma estrutura coerente e auditável, contendo os seguintes elementos essenciais:

 

-Descrição do imóvel e sua envolvente;

-Fundamentação do método de avaliação escolhido;

-Dados comparativos, fontes e ajustamentos efetuados;

-Justificação dos pressupostos utilizados;

-Demonstrações de cálculo e estimativa de valor;

-Declarações de conformidade com as normas IVS e/ou EVS.

 

6. Relatório Provisório (Draft): Uma Boa Prática Profissional

Antes da emissão do relatório final, é recomendável o envio ao cliente de uma versão provisória (relatório draft), com o objetivo de:

 

-Validar factos, pressupostos ou documentação técnica;

-Esclarecer aspetos omissos ou contraditórios;

-Garantir que o avaliador dispõe de toda a informação relevante.

-Este relatório deve incluir um aviso expresso de que:

 

É provisório e sujeito a revisão;

-Não representa uma opinião final de valor;

-Não deve ser divulgado, publicado ou utilizado para fins formais.

 

Concluindo, a avaliação de imóveis, quando conduzida por um perito avaliador de imóveis certificado, com base nas IVS e EVS, é um processo metódico, estruturado e tecnicamente exigente. A clareza na definição do propósito, a seleção adequada da base de valor e o respeito pelas boas práticas normativas são condições indispensáveis para garantir a qualidade, fiabilidade e utilidade do trabalho desenvolvido.

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