A grande corrida às casas

 


A recente reportagem intitulada "A grande corrida às casas", publicada na página 32 e seguintes da revista "Sábado", apresenta vários equívocos importantes do ponto de vista da avaliação imobiliária. É crucial esclarecer estas questões para evitar que os leitores sejam induzidos em erro por conceitos, práticas e terminologias inadequados. A seguir, expõem-se alguns dos problemas identificados.

 

-Valor de Mercado vs. Preço de Mercado

 

O artigo comete um erro essencial ao confundir “preço de mercado” com “valor de mercado”. Esta distinção é central na avaliação de imóveis. O valor de mercado é uma estimativa baseada em abordagens reconhecidas, considerando variáveis como localização, área, estado de conservação e outras características. Em contrapartida, o preço é o montante efetivamente pago por um imóvel, algo que apenas se torna conhecido após a escritura. O preço de um imóvel pode ser inferior, igual ou superior ao seu valor de mercado

 

O equívoco não é meramente semântico. Confundir estes termos pode levar à interpretação errada de que o mercado é mais previsível do que é na realidade. Para que a reportagem seja útil e informativa, deve refletir o rigor terminológico próprio das práticas da avaliação imobiliária.

 

-Conceitos de Preço de Venda Rápida e Venda Justa

 

Outro ponto que merece uma chamada de atenção é a menção aos conceitos de “preço de venda rápida” e “preço de venda justa”. Estes termos não fazem parte das bases de valor reconhecidas por um perito avaliador de imóveis certificado. A sua origem está associada a empresas de "metasearch", que frequentemente empregam tais expressões como ferramentas de marketing para atrair compradores.

 

Estas nomenclaturas podem ser enganosas. Um preço “justo” ou “rápido” são construções artificiais que não têm sustentação técnica e não seguem os critérios normativos de avaliação. Em última análise, são estratégias que podem induzir os compradores a interpretações erradas do mercado imobiliário, afastando-os de uma compreensão realista e sustentada do valor de um imóvel.

 

-Comparar Imóveis com Áreas Muito Diferentes

 

A reportagem também erra ao comparar imóveis com áreas substancialmente diferentes. Este tipo de análise é incorreto e vai contra os princípios da avaliação imobiliária, que exige que sejam comparados imóveis com características semelhantes. Diferenças significativas de área, localização ou estado de conservação resultam em distorções que tornam as conclusões irrelevantes.

 

No contexto de uma avaliação comparativa de mercado, os imóveis escolhidos para comparação devem ser rigorosamente selecionados com base em critérios técnicos e objetivos. Sem este cuidado, as comparações não só são inválidas como também podem levar a decisões financeiras mal fundamentadas.

 

-Violação da Lei 15/2013

 

Alega-se no artigo que “para que não haja desajuste no preço, costuma ser feita uma análise comparativa, por um profissional, com imóveis similares à venda na mesma zona”. Este procedimento apresenta um grave problema: representa um claro conflito de interesses e constitui uma violação da Lei 15/2013.

 

Segundo esta legislação, os agentes imobiliários não estão autorizados a realizar avaliações de imóveis que promovam. Este papel cabe exclusivamente a peritos avaliadores devidamente certificados, cuja independência é garantida pela sua isenção em relação ao processo de promoção ou venda do imóvel. Ignorar esta separação compromete a fidedignidade da avaliação e pode expor os compradores a conflitos de interesse prejudiciais.

 

-Conclusão

 

Embora o artigo tenha a intenção de abordar um tema de grande interesse para o público, a forma como trata os conceitos da avaliação imobiliária apresenta várias lacunas. É importante que publicações deste tipo assegurem a correta utilização de termos técnicos e a apresentação de análises fundamentadas.

 

Uma abordagem mais cuidadosa e informada contribuiria para uma melhor compreensão do mercado imobiliário, beneficiando tanto os compradores quanto os profissionais do setor. A precisão e o rigor devem ser prioridades ao comunicar temas com impacto direto na tomada de decisões das pessoas.

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