A qualidade da avaliação

Apresentamos mais um artigo gentilmente disponibilizados pelo Eng. Mário Pinho Miranda, que versam uma temática muito importante para a abordagem de mercado, a inferência estatística. A literatura disponível para o perito avaliador de imóveis


Este artigo aborda a temática dos níveis de qualidade de uma avaliação quando se  recorre a modelos de regressão linear.


Os artigos anteriores podem ser obtidos através da ligação:


https://joaofonseca.net/saneamento-da-amostra-na-avaliacao-de-imoveis/



10. A Qualidade da Avaliação

 

Resumo

Este artigo tem por objectivo ajudar à padronização dos níveis de qualidade que são atingidos numa avaliação quando se recorre a modelos de regressão linear.

 

1.1. Introdução

A questão da qualidade atingida por uma avaliação é muitas vezes desprezada. Nesse aspecto, no Brasil há muitos anos que há estas preocupações. Foi na década de 50 do século passado que surgiram os primeiros normativos sobre avaliações no Brasil. Em Portugal, por essa altura e por muitos anos, as avaliações eram feitas por engenheiros civis e arquitectos cuja formação específica estava ao nível da dos «louvados»[1], ou seja, baseada na experiência prática do dia-a-dia.


Tanto na Europa como nos Estados Unidos, a normalização das avaliações – IVS, EVS, RICS, USPAP, etc. – tem um carácter descritivo dos procedimentos a seguir e da definição dos aspectos a atender. Pelo contrário, no Brasil, o normativo [10, 5], para além de aspectos qualitativos fortemente inspirados nas IVS, também assume carácter quantitativo definindo objectivos, devidamente parametrizados, a atingir na avaliação. É sobre a parametrização exigida pelas NBR 14653[2] para os modelos de regressão linear que este artigo se vai debruçar.


1.2. Padrões de Qualidade nas NBR 14653-2

As NBR [5] consideram para todos os tipos de avaliação independentemente das abordagens seguidas e dos métodos utilizados, 3 níveis de qualidade a que chamam graus de fundamentação: Grau I, Grau II e Grau III (por ordem crescente de qualidade).


«A especificação de uma avaliação está relacionada tanto com o empenho do engenheiro de avaliações, como com o mercado e as informações que possam ser dele extraídas. O estabelecimento inicial pelo contratante do grau de fundamentação (Tabela 3) desejado tem por objectivo a determinação do empenho no trabalho avaliatório, mas não representa garantia de alcance de graus elevados de fundamentação. Quanto ao grau de precisãover Tabela 5 – este depende exclusivamente das características do mercado e da amostra colectada e, por isso, não é passível de fixação a priori. (…) O grau de fundamentação atingido deve ser explicitado no corpo do relatório de avaliação [«laudo» na terminologia brasileira]. Nos casos em que o grau mínimo I não for atingido, devem ser indicados e justificados os itens das Tabelas de especificação que não puderam ser atendidos e os procedimentos e cálculos utilizados na identificação do valor.» [5].


Na Tabela 3 constam os parâmetros mínimos a atingir para cada grau de fundamentação.




Comentários à Tabela 3:

        i.       Entende-se por caracterização do imóvel a descrição das características da região (aspectos gerais e físicos, uso e ocupação do solo, infra-estruturas urbanas, actividades existentes, equipamentos comunitários, etc.), caracterização do terreno (localização, utilização actual e vocação, aspectos físicos e restrições físicas e legais ao aproveitamento) e caracterização das construções e benfeitorias (aspectos construtivos e arquitectónicos, condições de ocupação e patologias aparentes);


      ii.       Opção paradigma é uma situação hipotética adoptada como referencial para avaliação de um bem [10];


    iii.       Extrapolação (Grau II): admitida, para apenas uma variável desde que: i) as medidas das características do imóvel avaliando não sejam superiores a 100% do limite amostral superior, nem inferiores à metade do limite amostral inferior e ii) o valor estimado não ultrapasse 15% do valor calculado no limite da fronteira amostral, para a referida variável, em módulo;


     iv.       Extrapolação (Grau I): admitida, desde que: i) as medidas das características do imóvel avaliando não sejam superiores a 100% do limite amostral superior, nem inferiores à metade do limite amostral inferior e ii) o valor estimado não ultrapasse 20% do valor calculado no limite da fronteira amostral, para as referidas variáveis, de per si, simultaneamente e em módulo;


       v.       Fiz uma observação à extrapolação no 1º artigo dedicado à «Amostra» mostrando o erro que se comete quando se recorre à extrapolação. A possibilidade dada pelas NBR resulta unicamente da dificuldade que há inúmeras vezes de se conseguirem amostras com um mínimo de qualidade. Todavia, isso não quer dizer que não se esteja a cometer um erro do qual, bem entendido, devemos ter consciência.


Quero ainda chamar para algumas estatísticas referenciadas na Tabela anterior que são aparentemente estranhas:


     vi.       Os valores bastante elevados da significância para rejeição dos regressores (10%, 20% e 30%): os valores que constam da tabela correspondem a níveis de confiança da regressão iguais, respectivamente, a 90%, 80% e 70% quando, o próprio EXCEL, por defeito, assume um nível de confiança de 95%; isto decorre das próprias características dos mercados imobiliários quando comparados com outros campos de aplicação da regressão linear (amostras de reduzida dimensão, produtos pouco homogéneos, etc.);


   vii.       A não parametrização do coeficiente de determinação que, na minha opinião, resulta de duas circunstâncias: i) desde que os regressores sejam significantes a regressão também o deve ser e, mais importante, ii) porque as características dos mercados imobiliários conduzem muitas vezes a valores para esta estatística muito baixos quando comparados com outras aplicações da regressão. Por exemplo, são frequentes valores de R2 próximos de 0,5 (compare-se este valor com os valores da Tabela 4 adaptada de [11]).




As NBR exigem ainda uma precisão mínima à avaliação (Tabela 5). Esta precisão é medida pela amplitude relativa () do intervalo de confiança para a média em torno do valor central da estimativa com probabilidade de 80%:


onde Xcentral, Xsup e Xinf  representam, respectivamente, o valor estimado pela regressão e os limites superior e inferior do intervalo de confiança. No artigo n.º 8 com o título «Intervalos de Confiança» tratei exactamente desta matéria.







[1] Os «louvados» eram pessoas conceituadas, com reconhecido bom senso, a quem, nos meios rurais, se recorria quando havia necessidade pelas mais diversas razões, tais como partilhas de heranças, compra e venda de propriedades, etc., de conhecer o valor de um prédio rústico ou urbano.

[2] As NBR 14653 estão divididas em 7 partes: Parte 1 (Procedimentos gerais), Parte 2 (Imóveis urbanos), Parte 3 (Imóveis rurais), Parte 4 (Empreendimentos), Parte 5 (Máquinas, equipamentos, instalações e bens industriais em geral), Parte 6 (Recursos naturais e ambientais) e Parte 7 (Patrimónios históricos). Neste artigo só são consideradas as duas primeiras partes.

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