Avaliação de Práticas Médicas
(Agradecemos a Paulo Pires, Associate da Frederico Mendes e Associados, o artigo de hoje)
A avaliação de uma prática médica é um processo
desafiante e alvo de elevado debate e discussão. À semelhança de outros setores
intensivos em conhecimento, não existe uma fórmula ótima que se possa aplicar a
todas as atividades médicas com vista à obtenção do valor da entidade.
Embora agrupadas no mesmo setor, cada prática médica
apresenta características que limitam a comparação entre entidades.
Os investimentos em equipamentos diferem bastante entre
atividades – desde máquinas de quimioterapia para tratamento do cancro a bolas
suíças para tratamentos fisiátricos. O grau de estandardização é também
bastante relevante na medida em que a substituição de profissionais não tem o
mesmo efeito entre especialidades.
Por outro lado, a visão do mesmo negócio por parte do
vendedor e comprador assume contornos bastante distintos. A experiência e
dedicação do responsável médico são dois dos fatores mais difíceis de majorar.
Todo o responsável tem orgulho no negócio que construiu e dedicou o seu tempo,
a par com a reputação que ganhou no mercado como especialista numa dada especialidade
médica. Uma parte do sucesso do negócio reside neste “amor à camisola”
demonstrado ao longo do tempo.
Do lado do comprador, aspetos como a localização,
concorrência atual, facilidade de instalação, patenteamento de dado produto ou
processo e carteira recente de clientes, são fatores que pesam na definição do
valor justo do negócio.
Por todos estes aspetos, o processo de escolha do método
de avaliação mais adequado deve suceder a uma análise criteriosa de cada método.
Métodos de
Avaliação
Existem diversas metodologias aplicáveis na avaliação de
empresas e negócios, as quais, ao propor enfoques distintos, devem ser
selecionadas tendo em atenção as condições, especificidade e objetivos a
atingir com a avaliação.
As metodologias de avaliação são passíveis de
enquadramento em três (3) óticas principais:
Valor Patrimonial –
Análise da posição financeira da entidade. O valor da entidade é obtido através
da diferença entre a soma de todos os ativos e a soma dos passivos existentes.
Este é claramente
o método mais simples de ser aplicado, uma vez que a análise da situação económico-financeira
atual é suficiente para se obter o valor da empresa. No entanto, não é tido em
conta qualquer capacidade de geração de valor futuro. Assim, o método
patrimonial só deve ser aplicado quando se tem planeado o encerramento da atividade.
Mercado –
Análise do valor da entidade tendo em conta anteriores transações de empresas
comparáveis.
Este método
fornece a melhor aproximação do valor que o mercado está disposto a pagar por
negócios equiparáveis. O múltiplo a utilizar em cada avaliação é escolhido
mediante o estabelecimento de relações entre os indicadores de performance
económica das empresas selecionadas e o seu valor de transação.
Esta ótica
permite contornar a definição de pressupostos de atividade futuros que, num
processo de compra e venda, devem sempre ser bem fundamentados e discutidos
entre ambas as partes.
Por outro lado
uma recolha errada da informação a comparar pode levar a desfasamentos
consideráveis no valor da avaliação. Os fatores distintos de cada prática
médica (c.f. brevemente descrito na secção inicial) tornam desaconselhável a
comparação entre empresas de áreas distintas, regiões com caraterísticas singulares
ou transacionadas em momentos temporais distantes entre si.
Um bom exemplo
disso são os efeitos da transposição da diretiva europeia de livre circulação
de doentes para a legislação nacional, aprovada em outubro de 2013 pelo governo
português, que indica que, uma vez ultrapassado período normal de espera para
determinado cuidado de saúde, o estado deve comparticipar o tratamento feito
noutro estado membro. Não querendo discutir o enorme desafio que esta
orientação representa para ao Sistema Nacional de Saúde português, estamos
claramente perante uma oportunidade para clínicas especializadas e hospitais
privados com capacidade financeira promoverem os seus serviços junto de
mercados até agora não prioritários. Esta alteração de mercado deve ser tida em
conta uma vez que múltiplos históricos não refletem a liberalização do mercado
de doentes.
Optando por este
método, ainda é necessário escolher o múltiplo mais adequado à prática que se
quer avaliar. Dois dos múltiplos mais utilizados são os que relacionam o EBIT e
o EBITDA com o valor da empresa. O que distingue os dois é a inclusão das
amortizações como um gasto operacional no caso do EBIT logo, a importância
desta rubrica deve ser medida caso a caso. Sem quer entrar em grandes detalhes,
a inclusão das amortizações pode fazer sentido em práticas que necessitem de
investimentos contantes em ativos fixos e assim, as amortizações são vistas
como uma aproximação (ainda que desfasada no tempo) destes investimentos.
Rendimento –
Análise da capacidade de geração de valor futuro.
Este método
fornece uma avaliação baseada em projeções económico-financeiras para um futuro
a médio prazo. A relação rendibilidade/risco da atividade é utilizada como
fator de atualização dos cash-flow futuros.
O exemplo da
adoção da livre circulação de doentes por parte de Portugal pode ser aqui novamente
utilizada, embora com alguma cautela, uma vez que a capacidade para alocar
recursos a este novo desafio pode significar efeitos diferentes a cada
entidade. Assim, empresas com melhor solidez financeira devem beneficiar desta
liberalização enquanto outras podem indiretamente ser afetadas por campanhas
protagonizadas por empresas que ambicionam o mercado europeu.
Por outro lado, a
utilização desta ótica obriga à definição de uma estratégia de negócio que
suporte os pressupostos assumidos. Este exercício pode-se revelar como um ponto
essencial do processo de avaliação, quer do ponto de vista do novo gestor quer
de quem vende, uma vez que o sucesso da empresa é normalmente um objetivo que
se procura assegurar num processo de compra e venda. Da mesma forma, tendo sido
apontadas dificuldades na seleção de empresas comparáveis, este método, ao não
recolher desta análise de mercado, permite avaliar negócios menos suscetíveis
de ser comparados.
Por último, é
importante referir que este método é algo sensível ao fator de atualização
escolhido. Existem fórmulas testadas e aceites pela comunidade académica mas a
sua utilização deve ter em conta o tipo de empresa, o mercado em que atua e a
sua exposição a fatores externos.
Aspetos chave
Antes de pormenorizar outros fatores relevantes, convém
mencionar a importância da análise de cenários. Definir o valor de uma empresa
como sendo um número com duas casas decimais não pode ser um objetivo. Os
principais pressupostos devem ser alvo de análise individual, o que levará, em
última instância, à obtenção de um intervalo de valores.
No que diz respeito à avaliação de
práticas de saúde médica aconselhamos ainda que se tenha em conta as seguintes
recomendações:
A importância de
um bom benchmark
É impossível
agregar todas as práticas médicas como um todo e usá-las como regra de ouro para
todas as avaliações, uma vez que os pressupostos operacionais e dados
económico-financeiros são bastante díspares entre si. A definição incorreta ou
insuficiente do benchmark da empresa
resultará em desfasamentos consideráveis no valor final.
Da mesma forma, a
recolha de dados desatualizados, muitas vezes mais fáceis de encontrar
gratuitamente, é um erro que vai querer evitar.
A correta escolha
de empresas comparáveis e dados atualizados é fundamental para desenvolver um
processo de avaliação criterioso em vez de uma questão de sorte.
O goodwill também
conta
Avaliar o goodwill e ativos intangíveis de uma
entidade é seguramente uma das tarefas mais complicadas de uma avaliação. Ainda
assim, se o valor final não considerar estes dois fatores então a avaliação
certamente pecará por falta de rigor.
O “bom nome” da
entidade e dos seus responsáveis médicos deve ser tido em conta no valor da
empresa. A existência de patenteamentos e a localização da atividade são outros
exemplos de ativos que dificilmente aparecerão nos registos contabilísticos da
entidade.
O valor do goodwill está geralmente dependente da habilidade
dos intervenientes serem capazes de gerar retornos superiores aos normalmente
conseguidos por médicos da mesma especialidade.
Ter noção da
realidade
Independentemente
da avaliação que possa ser feita e dos números que estejam em cima da mesa,
nenhum comprador ou investidor vai pagar mais por um negócio que o que lhe
custe abrir o mesmo negócio do outro lado da rua.
Outras das
comparações que um possível comprador deve fazer tem a ver com a capacidade de
obter ganhos superiores aos aferidos como trabalhador de uma entidade terceira.
Em suma, uma boa
dose de razoabilidade deve acompanhar todas as avaliações.
A compra ou venda de uma atividade médica é seguramente o
transação mais valiosa que um médico pode efetuar em toda a sua carreira. É
essencial garantir que a avaliação do negócio transmite adequadamente o que foi
ou será o trabalho da sua vida.
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