Valor de mercado ou um valor de mercado?
(Artigo publicado em out-of-the-boxthinking.blogspot.pt)
A classe dos peritos avaliadores de imóveis divide-se, desde há muito tempo, quanto à questão de saber se o valor de um imóvel é único. Cabe assim relembrar a teoria univalente, que considera que o valor de um imóvel é único, independentemente do fim da avaliação, e a teoria plurivalente, que considera o valor de um imóvel dependente da finalidade da avaliação.
O interesse em regressar a esta discussão resulta de uma leitura mais profunda das noções de valor de mercado emanadas pelas duas normas de avaliação a que recorrentemente tem sido feito referência em artigos anteriores: as IVS (International Valuation Standards) e as EVS (European Valuation Standards):
Valor de Mercado segundo as IVS
“Market Value is the estimated amount for which an asset or liability should exchange on the valuation date between a willing buyer and a willing seller in an arm’s length transaction, after proper marketing and where the parties had each acted knowledgeably, prudently and without compulsion.”
Valor de Mercado segundo as EVS
“The estimated amount for which the property should exchange on the date of valuation between a willing buyer and a willing seller in an arm’s length transaction after proper marketing wherein the parties had each acted knowledgeably, prudently and without being under compulsion.”
Poder-se-ia concluir, por estas noções, que não existiriam diferenças entre a estimativa segundo uma ou outra norma. Mas, de facto, tal não acontece.
Segundo as IVS, o Valor de Mercado de um ativo deverá refletir o seu maior e melhor uso, que é o uso de um imóvel que maximize o seu potencial e que seja possível, legalmente permitido e financeiramente viável. Para se maximizar o máximo e melhor uso, podemos decidir entre o uso continuado do imóvel e um uso alternativo.
Já as EVS introduzem um novo conceito, com um sentido mais amplo, mais abrangente, do que o uso alternativo, a que chama de Valor Expectável (Hope Value). Este conceito distingue-se do uso alternativo porque contempla situações que poderão não ser admissíveis à data da avaliação, como, por exemplo, utilizações possíveis do imóvel que possam ser desbloqueadas por modificações que o alterem, quer sejam novos licenciamentos, infraestruturas relevantes, evoluções do mercado ou outras possibilidades. Deste modo, o Valor de Mercado de uma propriedade pode refletir qualquer Valor Expectável (Hope Value).
O Valor Expectável (Hope Value), por vezes designado como valor futuro, é utilizado para descrever um aumento do valor que o mercado estará disposto a pagar, na esperança de uma utilização mais satisfatória ou oportunidade de desenvolvimento ser alcançável, em relação ao que é atualmente permitido ao abrigo dos instrumentos de ordenamento, constrangimentos de infraestruturas ou outras limitações existentes. Refletirá uma avaliação da probabilidade que o mercado coloca na esperança de uma utilização mais satisfatória ou numa oportunidade de desenvolvimento alcançável, nos custos prováveis a suportar com essa oportunidade, no tempo para a executar e em quaisquer outros fatores associados. Fundamentalmente, permitirá a possibilidade de que a utilização planeada não se venha a realizar.
A grande diferença entre as duas noções de valor de mercado é que a que é defendida pelas EVS permite que a estimativa se faça fora de ordenamento existente ou licenciamentos existentes, ao contrário das IVS, em que tudo se passa dentro do que é legal na data da avaliação.
O Valor Expectável representa as expectativas razoáveis do mercado relativas às oportunidades oferecidas pelo imóvel e como tal deverá ser incorporado no Valor de Mercado.
Talvez um exemplo, mesmo que recorrendo ao absurdo, possa explicar melhor esta diferença. Suponhamos que o Aeroporto de Faro vai ter de se deslocalizar, por uma qualquer razão técnica. O mercado imobiliário tem a perceção que a nova localização vai ser numa zona de Portimão, até então sem qualquer interesse imobiliário, apesar de não existir qualquer decisão governativa ou estudo técnico que aponte para tal.
Um Perito Avaliador, sendo chamado a avaliar um terreno na envolvente daquele que se prevê onde vai ser construído o aeroporto, certamente chegará a valores de mercado diferentes, conforme adote uma ou outra norma:
- Se adotar as IVS, ser-lhe-á irrelevante a expectativa da construção do aeroporto, porquanto não está explícita, de forma alguma, no ordenamento legal existente;
- Se adotar as EVS, deve contemplar a possível construção do aeroporto, que influenciará em alta o valor do terreno.
Pensando bem … isto já não aconteceu em Portugal?
Gostaria de perceber melhor o alcance da sua expressão "Para se maximizar o máximo e melhor uso, podemos decidir entre o uso continuado do imóvel e um uso alternativo". O objetivo da minha questão prende-se com a avaliação de imóveis para fins de relato contabilístico no âmbito da IAS16 ou da NCRF 7. Ou seja, a avaliação de um imóvel (composto de edifício e terreno) que está afeto à atividade operacional deve ter em conta o seu uso atual (uso continuado) ou a maior e melhor utilização possível (uso alternativo)? Isto porque, ao valorizarmos de acordo com a maior e melhor utilização possível um imóvel catalogado como ativo fixo tangível, como devemos repartir o valor entre edifício e terreno. Tenho conhecimento de uma avaliação que atribuiu valor nulo ao edifício porque na perspetiva da melhor e maior utilização, o valor do imóvel foi todo afecto ao terreno. Ora, se a empresa continua a utilizar o seu edifício na atividade da empresa, mas deixa de reconhecer amortizações pelo uso do imóvel.
ResponderEliminarObrigado pela sua questão, que é muito pertinente.
EliminarDe facto, no modelo da revalorização, o justo valor de um imóvel corresponde ao seu valor de mercado.
O valor de mercado de um imóvel obtém-se pela comparação da avaliação de um imóvel no seu uso continuado (uso atual) e no seu uso alternativo. O maior destes dois valores é a chamada máxima e melhor utilização do ativo, que caracteriza o valor de mercado.
Devemos referir que uso o alternativo representa uma alteração de uso que seja legalmente possível. Por exemplo, passar um edifício de serviços para edifício de habitação. O uso alternativo é também um uso que seja normalmente utilizado pelo mercado. Não devem ser utilizados usos específicos de uma atividade especifica que só está ao alcance de determinada empresa.
No limite, a situação que aponta pode ocorrer, é corretamente contabilizada e devo dizer que não é de todo uma raridade.
Acontece normalmente em imóveis industriais ou de serviços que estão agora implantados em zonas que os Planos Diretores Municipais aconselham outros usos.
Esperando ter respondido à sua questão estou também ao dispor para qualquer outro esclarecimento.
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