
Nesta “silly season” tenho-me dedicado
mais à minha televisão, em constante “zapping”. Assim, encontrei uma nova
versão de uma série da minha juventude intitulada All
Creatures Great and Small, ou Veterinário de Província”
Veio-me assim à lembrança um artigo
que escrevi para a “Brainsre News Portugal”, à época um “local de culto” para o
jornalismo imobiliário, a convite
do José Covas.
O artigo que partilho, pressupondo que
a “Brainsre News Portugal” não se vai aborrecer, pois quando escrevemos os
escritos deixam de ser nossos, é o “Gente boa, com problemas”.
“Gente boa, com problemas
Na década de oitenta do século
passado, eu deliciava-me a assistir a uma série inglesa que tinha o nome, em
Portugal, de “Veterinário de Província”. Na sua versão original chamava-se “All
Creatures Great and Small”.
Esta série, de cariz autobiográfico,
relatava as peripécias de um veterinário, James Herriot, pelas terras de
Yorkshire, nos anos trinta e quarenta do século passado. Recordo aqui o que
escreveu Reinaldo Serrano, no jornal Expresso em 27 de outubro de 2018, sobre
esta série: “relato tão fiel quanto possível de um quotidiano que se move por
entre lama, animais de pequeno e grande porte, excentricidades campestres,
personalidades ricas de carácter e figuras inesquecíveis”.
O leitor certamente estará a
perguntar-se “o que é que isto tem a ver com avaliação imobiliária!?”
Pois esta também é a vida de um perito avaliador de imóveis certificado de
província, designado na nossa gíria como “Sole Practioner”. Nós movemo-nos
entre lama, avaliações de pequeno e grande porte, excentricidades,
personalidades ricas de carácter e figuras inesquecíveis.
(Quando consegui finalmente marcar a
data da vistoria aos imóveis, devo confessar que fiquei um pouco de pé atrás.
Primeiro, porque demorei dias a tentar contactar o …. bem, não tenho outra
palavra que não esta, muito forte e que traz consigo, desnecessariamente, uma
carga pejorativa: insolvente. A minha desconfiança acentuou-se porque a
vistoria teve que ser adiada, por duas vezes, a pedido do “insolvente”.
Fiquei um pouco aborrecido, porque não
deveria ter feito um julgamento antecipado e, como se viria a constatar mais
tarde, precipitado. Não foi muito ético…
A minha primeira surpresa estava
reservada para o percurso que tive de fazer até chegar àquela aldeia escondida
no Parque Natural da Peneda-Geres.
Foram estradas ladeadas de ravinas de
cortar a respiração, perigosas e belas. Foi aquele riacho cuja travessia era
feita por uma ponte instável, que desembocava numa bela manada à solta,
espraiada num prado de meter inveja.
Após muitas curvas e contracurvas, lá
cheguei ao encontro do “insolvente” e a da sua história de vida.
Não foi difícil a empatia. Ao mesmo
tempo que eu apreciava a paisagem, ele ia-me contando a sua desdita. Tinha tido
o azar de ser fiador de um primo, que incumpriu. “Já viu o que me aconteceu?”.
E eu pensava: gente boa, com
problemas, mas com uma grande dignidade! Não desreconhecia a dívida, assim como
não escondia a vergonha de dever e não conseguir pagar.)
A avaliação de imóveis em processos de
insolvência é uma das áreas em que é necessária a intervenção do perito
avaliador de imóveis. As designadas “massas insolventes” têm que ser avaliadas
para, posteriormente, com o produto da sua venda, os credores serem ressarcidos
dos seus prejuízos.
Estes processos são, não raras vezes,
psicologicamente muito exigentes. Desde logo, porque a realização de uma
avaliação processualmente correta e impoluta colide, com frequência, com a
devastação psicológica e com a carência económica em que caíram os insolventes
e muitos trabalhadores das empresas que insolveram. Com efeito, veem muitas
vezes o valor de avaliação como a sua tábua de salvação, como a última hipótese
de limpar uma imagem que ficou desgastada.
A vida de um perito avaliador de
imóveis de província balança entre situações completamente antagónicas, que vão
do belo ao horrível.
Uma das suas principais vantagens é
que um dia não é igual ao outro. Ora estamos a trabalhar no meio de uma cidade
cosmopolita, que fervilha de gente, ora estamos a trabalhar num local
sossegado, que nos faz refletir sobre a nossa existência.
Tem também uma parte difícil, porque
somos confrontados com situações que mechem connosco emocionalmente, mas que
teremos que conseguir superar. Afinal, somos profissionais, devemos fidelidade
à nossa profissão e a quem nos contrata.
Mas que às vezes é difícil, lá isso é.
Não devo terminar sem um pedido de
desculpas aos leitores por os ter aborrecido com um assunto um pouco soturno e
que, provavelmente não os irá dispor bem.
Fica a promessa que no próximo artigo
vou vos contar como foi fazer a avaliação de um imóvel no coração da minha
cidade!”
All Creatures Great and Small
Reviewed by
João Fonseca
on
domingo, agosto 25, 2024
Rating:
5
Sem comentários: