Pois à mulher de César…

(ou o contributo para uma melhor independência dos peritos que representam o Estado perante os cidadãos na aplicação do Código das Expropriações)



Os processos expropriativos, como já referimos em artigos anteriores, são processos judiciais muito complexos, em que na maior parte dos casos há um desequilíbrio latente entre as partes. Reconhecemos que tem havido uma preocupação grande do legislador para equilibrar os pratos da balança. Como exemplo, no projeto de Código das Expropriações em discussão pública, na fase de negociação particular a indemnização proposta pela entidade expropriante tem que ser realizada pelos peritos da Lista Oficial da Justiça. Acabarão, esperamos nós, muitas daquelas cartas a propor valores completamente irrisórios de indemnização.

A nossa questão de hoje centra-se na efetiva independência dos peritos da Lista Oficial da Justiça. E isto porque “à mulher de César não basta ser séria, também tem que parecê-lo”

É certo que os peritos da Lista Oficial da Justiça foram formados no Curso de admissão à Lista Oficial do Ministério da Justiça ministrado pelo Centro de Estudos Judiciários e tiveram que ter sucesso no respetivo exame. Mas isto basta para que possam ser considerados completamente isentos?

Achamos que não.

Verificamos recorrentemente, no âmbito da nossa atividade profissional, que uma parte algo significativa daqueles técnicos desempenham a função de perito da Lista Oficial em regime de “part time”, ou seja, têm uma atividade profissional que acumulam com aquela função.

O que se verifica muitas vezes é que esta atividade profissional está, direta ou indiretamente, ligada às entidades expropriantes.

Exemplos?

- Colaboradores de Câmaras Municipais a intervirem como peritos da Lista Oficial em processos expropriativos  noutras Câmaras Municipais;
- Colaboradores das Estradas de Portugal a intervirem como peritos da Lista Oficial em processos expropriativos de concessões rodoviárias;
- (… E a lista é bem mais extensa do que estes dois exemplos)

Assim, por muito independentes e sérios que os técnicos sejam, não se livram de uma suspeição que acreditamos injusta.

Deixamos assim o desafio para que a função de perito da Lista Oficial seja exercida em regime de exclusividade e que o Estado garanta que os técnicos recebam os seus honorários (e justos) a tempo e horas.

Esta obrigatoriedade traria ainda um outro benefício muito importante. Os processos seriam julgados com muito mais rapidez.

Admitimos, em alternativa, que deveria ser obrigatório um registo prévio de interesses e os Senhores Juízes, ao nomearem os peritos da Lista Oficial, julgariam da sua verdadeira independência para o processo em .

3 comentários:

  1. Questões pertinentes sem dúvida e que levam a situações deveras caricatas.

    No entanto, acho que tornar os peritos avaliadores da lista oficial da justiça em profissionais em regime de exclusividade para as expropriações, sem poderem exercer noutras empresas ou entidades, não é exequível.

    O prazo médio das nomeações no Distrito Judicial de Évora é de 6 meses. Em Lisboa, ainda é mais dilatado. O grosso das DUP tem ocorrido nos Distritos Judiciais de Coimbra e Porto.

    Com o número de processos de expropriação que existem e com os que se prevê existir no futuro, com cada vez menos obras públicas, o rendimento que se consegue obter não dá nem para matar a fome.

    A não ser que o Estado garanta uma avença mensal de valor razoável, mesmo nos meses em que os peritos não trabalhem, isso é impossível.

    Mas será isso possível numa altura em que se tentam controlar os custos no sector público? E qual seria o valor que o Estado estaria disposto a garantir e os peritos a receber para se conseguir um entendimento?

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  2. Mas não se pense que essa falta de ética se aplica apenas aos peritos avaliadores da lista oficial.

    Quantas e quantas vezes, em fase de peritagem, os representantes das partes (principalmente as entidades expropriantes) vêm defender valores muito abaixo (à vezes menos de metade) daqueles que a sua empresa ofereceu em fase de aquisição por direito privado.

    E mesmo questionados pelo juíz, limitam-se a referir que quem ofereceu esses tais valores foram os seus subordinados e que não vê nenhum estranheza e defender valores completamente distintos... Como se a coerência dos números não se aplica-se aos funcionários de uma mesma empresa, mas apenas à consciência (ou falta dela) de cada um, de forma individual e desligada entre si.

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    1. Tem razão.
      Existe ainda uma outra questão que me deixa ainda mais perplexo.
      São os peritos indicados pela entidade expropriante serem colaboradores desta e realizarem as peritagens em horário de expediente.
      Como podem ser independentes?

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