Insolvência rima com transparência?

(Ou como seria salutar acabar com o valor de venda imediata nas avaliações)

Chamou-nos a atenção no jornal Público desta semana a publicação de um edital de insolvência em que anunciava a venda, em carta fechada, de um prédio urbano destinado a armazém e atividade industrial.

A notícia em si não mereceria qualquer comentário – infelizmente hoje em dia as insolvências são muito frequentes – se o valor de venda anunciado não fosse muito abaixo do normal valor de mercado, com a possibilidade de ainda ser vendido por oitenta e cinco por cento deste valor.

É premente questionar porque é que estas situações podem acontecer.

Em primeiro lugar porque nem todos os processos terão a presença de Peritos Avaliadores de Imóveis. Depois, pela enorme pressão que é exercida sobre estes profissionais, quando são chamados aos processos.

Estas pressões situam-se normalmente a dois níveis. Em primeiro lugar, pelo fator económico. Não nos cansamos de afirmar que avaliações mal remuneradas e em prazos de execução muito curtos conduzem a relatórios de avaliação menos bem conseguidos.  Finalmente, porque existe sempre uma pressão mais ou menos velada para que os relatórios de avaliação cheguem a valores o mais baixos possível.

Mas, em nossa opinião, o que é mais preocupante é a subversão do que deveria ser um processo imaculado em termos de transparência.

Senão vejamos.

É sempre exigido ao avaliador, além do valor de mercado, o chamado valor de venda imediata (infelizmente também ao gosto da Banca). Este valor, como muito bem escreveu o Eng. Francisco Espregueira, no seu artigo Morte ao VVI, no portal português de Finanças Imobiliárias “Out of the Box”, não tem razão de existir.

De facto, só serve para penalizar o valor atribuído aos imóveis em processos de insolvência ou em processos de carácter similar (dações em pagamento, no caso da Banca).

E, na prática, muitas vezes é assim (para facilitar, na base 100): o valor de mercado é 100, o valor de venda rápida é 70 e o imóvel pode ser vendido por 59,5!

Este último valor resulta do n.º 2 do art.º 816.º do CPC (“valor a anunciar para a venda é igual a 85 % do valor base dos bens. “).

Qual a perversidade? O valor de venda imediata substitui, muitas vezes, o valor de mercado como valor base dos bens.

E assim se fazem bons negócios imobiliários!

1 comentário:

  1. Felicitando-o pela oportunidade, e subscrevendo na íntegra este conteúdo, apenas gostaria de acrescentar (para que não restem dúvidas) a propósito do "valor base dos bens" (imóveis), que o CPC define-o (artº 812/3) como o maior dos seguintes:

    a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;

    b) Valor de mercado.

    Cumprimentos!
    José Araújo

    ResponderEliminar

Com tecnologia do Blogger.