Desencanto
A primeira palavra que nos apetece escrever, no artigo de hoje, é desencanto.
Este desencanto vem a propósito de um artigo que lemos no jornal Expresso, e que passamos a transcrever um excerto:
“Os bancos estão muito conservadores nas avaliações que estão a fazer. Existe uma aproximação muito realista ao que se está a passar no mercado imobiliário”.
“Por outro lado, a valorização das avaliações em termos homólogos reflete também o fim do “desconto” de risco de pandemia, aplicado pelos bancos. “De março até agosto de 2020, os peritos avaliadores incluíam nos seus relatórios de avaliação um fator de desconto do risco de incerteza provocado pela pandemia. A partir de setembro do ano passado, esse desconto deixou de existir”.
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O nosso desencanto vem por três
razões:
Em primeiro lugar, as avaliações
para crédito hipotecário são pertença dos clientes bancários, que as pagam, e
são realizadas por um perito avaliador de
imóveis. Sugerir que os bancos são mais conservadores nas avaliações é
sugerir que são os bancos que as fazem ou são os bancos que determinam o seu
valor, o que, inevitavelmente é um claro conflito de interesses.
Não é assim que se passa, as
avaliações são realizadas por peritos avaliadores de imóveis, que trabalham
para empresas que, por sua vez, após controlo interno, as entregam aos bancos.
Podem os leitores ficar descansados, que as avaliações são independentes e que quem
as faz é imune a pressões. O único problema, mesmo, é que os honorários da banca representam 40% a 50% do valor pago pelos clientes bancários, manifestamente elevado para o trabalho administrativo que tem no
processo de avaliação, uma clara distorção da distribuição da “mais-valia”.
O segundo ponto que merece o
nosso desencanto, é que os peritos avaliadores de imóveis não atribuíam “desconto”
de risco de pandemia, nem houve nenhuma diretiva de nenhuma entidade neste
sentido. Já agora, para conhecimento dos leitores, transcrevo o que o RICS,
em plena pandemia, aconselhava os seus membros a escrever nos relatórios de
avaliação:
'”O surto do novo coronavírus (COVID-19), declarado pelo Mundo Organização da Saúde como uma 'pandemia global' em 11 de março de 2020, influenciou mercados financeiros globais. As restrições de viagens foram implementadas em vários países.
A actividade de mercado está a ser afectada em muitos sectores. Na data da avaliação, consideramos que podemos atribuir menos peso a evidências de mercado anteriores para fins de comparação com o intuito de formar opiniões de valor. De facto, a resposta actual COVID-19 significa que estamos perante um conjunto sem precedentes de circunstâncias nas quais baseamos uma opinião.
As nossas avaliações são, portanto, relatadas com base na avaliação de incerteza material "conforme VPS 3 e VPGA 10 do RICS Red Book Global Standards. Consequentemente, menos certeza - e um maior grau de prudência - deve ser considerada na nossa avaliação do que normalmente seria o caso. Dado o desconhecido futuro impacto que o COVID-19 possa ter no mercado imobiliário, nós recomendamos que se mantenha a avaliação desta propriedade sob revisão frequente.”
Finalmente, e não menos importante, é que sendo as avaliações realizadas por peritos avaliadores de imóveis, não houve sequer uma questão colocada sobre o tema a qualquer uma das associações de avaliadores existentes em Portugal.
As associações representam avaliadores e empresas de avaliação, estando muito melhor colocadas para opinar porque é que o valor da avaliação bancária subiu.
Então, ninguém lhes pergunta nada? Percebam o nosso desencanto!
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