VPS 2 no processo de avaliação: bases de valor, pressupostos e pressupostos especiais

 

No âmbito das normas RICS, em particular do Red Book Global Standards, a norma VPS 2 (Valuation Technical and Performance Standard 2) constitui um dos pilares fundamentais do processo de avaliação. Esta norma, sob o título “Bases of Value, Assumptions and Special Assumptions”, define o enquadramento conceptual da avaliação, estabelecendo com clareza qual é o tipo de valor a determinar, sob que condições e com que pressupostos.

 

João Fonseca | Perito avaliador de imóveis certificado

Com a entrada em vigor da versão de 2025 do Red Book, a antiga VPS 4 passou a ser identificada como VPS 2, numa reorganização que pretendeu reforçar a lógica sequencial do processo de avaliação. Esta alteração não é meramente formal. Ela reflete uma visão mais estruturada da prática da avaliação, em que a definição da base de valor deve suceder diretamente à formalização dos termos de contratação (VPS 1), garantindo coerência desde o início da prestação de serviços.

 

A base de valor como elemento estruturante

 

A base de valor é o ponto de partida de qualquer avaliação. Segundo as IVS (International Valuation Standards), a sua definição é obrigatória e deve ser adequada ao propósito da avaliação, compreensível para o cliente, justificada tecnicamente pelo perito avaliador de imóveis certificado e compatível com os princípios fundamentais das IVS.

 

É essa base que orienta todo o processo subsequente — desde a escolha do método de avaliação, até à seleção e interpretação dos dados de mercado. Ela determina, por exemplo, se a avaliação se deve basear em rendas efetivas ou rendas de mercado, se o ativo é considerado numa ótica de utilizador genérico ou de um investidor específico, e até se os custos de transação devem ou não ser tidos em conta.

 

Entre as bases de valor mais utilizadas destacam-se:

 

 -Valor de mercado: É, por larga margem, a base mais comum. A sua definição, segundo as IVS, é clara:

 

“O valor de mercado é o montante estimado pelo qual um ativo ou passivo deve ser transacionado, na data da avaliação, entre um comprador interessado e um vendedor interessado, numa transação em condições normais de mercado, após adequada promoção comercial, em que ambas as partes atuam de forma informada, prudente e sem coação.”

 

 -Valor de investimento: Trata-se do valor do ativo para um investidor específico, tendo em conta os seus objetivos particulares. Pode refletir sinergias, economias fiscais ou outras vantagens estratégicas, e por isso não coincide necessariamente com o valor de mercado.

 

-Justo valor (fair value) – Muito utilizado em contexto contabilístico, é definido como:

 

“O preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de um passivo numa transação ordenada entre participantes no mercado na data da mensuração.”

 

É uma base comum nas IFRS, semelhante ao valor de mercado, mas com nuances próprias, nomeadamente quanto à identificação dos participantes do mercado e à consideração dos custos de transação.

 

A novidade de 2025: custos de transação

 

A versão de 2025 da VPS 2 introduziu uma importante clarificação sobre os custos de transação, matéria frequentemente mal compreendida e que causava divergências nas práticas avaliativas.

 

A norma agora especifica que, nas avaliações baseadas em valor de mercado ou justo valor (IFRS), o valor reportado deve refletir o preço acordado entre participantes no mercado antes de qualquer consideração relativa a custos de aquisição ou alienação. Em outras palavras, trata-se do preço bruto da transação.

 

Assim, o avaliador não deve deduzir comissões de mediação, impostos, taxas de escritura ou registos ao valor estimado. Da mesma forma, não deve adicionar custos de obras, remodelações ou qualquer outro encargo que, embora previsível, não integre o valor de mercado tal como definido pelas IVS.

 

Esta clarificação promove a comparabilidade entre avaliações e reforça o alinhamento com normas contabilísticas e regulatórias internacionais. Se, por razões de conveniência, o cliente desejar conhecer o impacto financeiro total da transação, essa informação pode e deve ser fornecida, mas separadamente do valor de avaliação.


Pressupostos e pressupostos especiais: limites e hipóteses

 

Outro elemento central da VPS 2 é o tratamento dos pressupostos e dos pressupostos especiais, que são condições consideradas válidas pelo avaliador para efeitos da avaliação.

 

Os pressupostos são, essencialmente, suposições feitas para colmatar a ausência de verificação direta. São admissíveis quando:

 

-São relevantes para o tipo de avaliação;

 

-Estão claramente especificados;

 

-Refletem os limites do trabalho realizado.

 

É essencial que estes pressupostos sejam comunicados ao cliente e devidamente justificados.

 

Já os pressupostos especiais referem-se a condições hipotéticas, que não existem na data da avaliação, mas que são consideradas como se existissem. Têm aplicação, por exemplo, na avaliação de imóveis após obras, de terrenos com PIP aprovado ou de ativos em cenários futuros plausíveis.

 

É fundamental que estas suposições não sejam arbitrárias. Devem basear-se em fundamentos técnicos, legais ou administrativos que tornem plausível o cenário projetado. Cenários irrealistas descredibilizam o relatório e podem ter consequências legais.

 

Boas práticas e erros a evitar

 

A aplicação correta da VPS 2 exige não apenas domínio técnico, mas também disciplina profissional. A ausência de definição da base de valor, ou a escolha incorreta da mesma, é uma das falhas mais comuns. Sem essa definição clara, a avaliação perde sentido, pois deixa de estar ancorada num objetivo específico.

 

Também é frequente o uso de pressupostos copiados de modelos padrão, sem adaptação ao caso concreto. Isto pode induzir o cliente em erro, comprometer a qualidade técnica do relatório e gerar responsabilidade legal.

 

Outro erro recorrente está relacionado com a omissão de pressupostos que condicionaram a avaliação. Por exemplo, se o avaliador assume que o imóvel tem licença de utilização, mas não verifica esse facto, esse pressuposto deve ser declarado. A sua omissão representa uma falha de transparência.

 

Finalmente, uma desconexão entre o vínculo contratual (VPS 1) e o conteúdo efetivo do relatório constitui uma violação grave, tanto da VPS 2 como da integridade profissional do avaliador. O relatório deve refletir de forma rigorosa os termos acordados com o cliente e as limitações do trabalho realizado.

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