VPS 3 do Red Book: Abordagens e métodos de avaliação
A VPS 3 do Red Book é, sem margem para dúvida, uma das mais centrais na
prática do perito avaliador de imóveis certificado.
É nesta secção que se definem os alicerces técnicos que sustentam a estimativa
do valor
e, nesse sentido, ela obriga o perito avaliador a fazer uma escolha clara,
justificada e tecnicamente fundamentada da abordagem e do método a utilizar. No
entanto, é precisamente aqui que se comete um dos erros mais recorrentes nos
relatórios de avaliação: começar por falar em métodos, sem mencionar ou sequer
compreender que os métodos estão subordinados a uma abordagem.
Este é um erro conceptual grave. As abordagens são os grandes eixos
estratégicos do processo de avaliação e é dentro de cada uma destas abordagens (mercado,
rendimento e custo) que se escolhe, então, o método mais adequado. Inverter
esta hierarquia é não perceber a estrutura do processo avaliativo,
comprometendo desde logo a lógica interna do relatório.
A Royal Institution of Chartered Surveyors
(RICS) é clara: cabe ao avaliador a responsabilidade de selecionar e justificar
a abordagem mais adequada ao caso concreto. Esta escolha não pode ser
arbitrária, nem ditada pela conveniência ou familiaridade com um determinado
modelo. Trata-se de uma decisão técnica, que deve assentar na natureza do
ativo, na finalidade da avaliação e em quaisquer exigências legais,
regulamentares ou contratuais associadas à instrução recebida.
Não basta, pois, afirmar que se aplicou o método comparativo ou o método de
rendimento. É necessário explicar por que razão essa escolha foi feita, com
base nas características específicas do imóvel e no contexto de mercado. Esta
exigência de justificação é vital para assegurar a transparência do processo, a
rastreabilidade das decisões tomadas e, sobretudo, a credibilidade do relatório
final.
Outro aspeto que merece destaque nas orientações mais recentes da RICS é a
crescente valorização dos métodos explícitos de crescimento, em particular o
modelo dos fluxos de caixa descontados (discounted cash flow, ou DCF). Esta
tendência tem sido impulsionada, em parte, pelas discussões sobre a possível
obrigatoriedade do DCF nas avaliações de ativos de rendimento.
Contudo, importa sublinhar, e a RICS faz questão de o dizer, que o DCF não
é obrigatório. O avaliador mantém total responsabilidade na escolha da
abordagem e do método, cabendo-lhe avaliar se o modelo é o mais apropriado para
o ativo em causa, tendo em conta a sua natureza, o objetivo da avaliação e a
melhor prática técnica. Estar atento à evolução metodológica e às boas práticas
internacionais é fundamental, mas isso nunca deve substituir o juízo crítico e
profissional do avaliador. A responsabilidade não pode ser externalizada.
No fecho desta análise à VPS 3, é fundamental chamar a atenção para três
erros que continuam, infelizmente, a surgir em muitos relatórios e que põem em
causa a qualidade técnica do trabalho, bem como a reputação do avaliador.
O primeiro erro, já referido, é não indicar, de forma clara e fundamentada,
quais foram as abordagens e os métodos utilizados. Não é admissível que um
relatório se limite a apresentar números sem explicar o caminho técnico que os
sustenta. A estrutura metodológica deve ser evidente: que abordagem foi seguida
(mercado, rendimento ou custo) e, dentro dessa abordagem, que método foi
concretamente utilizado.
O segundo erro prende-se com a aplicação de uma abordagem inadequada à
natureza do ativo. Por exemplo, usar o método comparativo, que pertence à
abordagem do mercado, em imóveis que geram rendimento contratualizado de forma
contínua, sem que exista justificação para não aplicar a abordagem do
rendimento (muito frequente nas avaliações para crédito hipotecário).
O terceiro erro é, mesmo dentro da abordagem correta, recorrer a métodos
inadequados ou desajustados à finalidade da avaliação. Por vezes, por falta de
dados ou por pressão de tempo, o avaliador opta por modelos simplificados que
não refletem com rigor a realidade económica do ativo. Esta simplificação pode
ter efeitos nefastos, sobretudo quando o relatório é utilizado para decisões
relevantes, sejam elas financeiras, judiciais ou administrativas.
Em todos estes casos, o Red Book é perentório: se o avaliador não tiver
segurança técnica, ética ou profissional para realizar a avaliação, deve
recusar a instrução. Dizer “não” a um trabalho mal enquadrado ou
metodologicamente inseguro não é uma falha — é um sinal de integridade. A
confiança do mercado na profissão depende, em larga medida, da coragem com que
os seus membros impõem limites à sua própria atuação.
Concluindo, a VPS 3 não trata apenas de escolher um método. Trata de
compreender, justificar e documentar o caminho completo da avaliação, desde a
escolha da abordagem até à aplicação do método. Ignorar esta estrutura é mais
do que um erro técnico — é uma fragilidade profissional que pode comprometer a
validade de todo o relatório.
A nunca a esquecer!

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