VPS 3 do Red Book: Abordagens e métodos de avaliação

 

A VPS 3 do Red Book é, sem margem para dúvida, uma das mais centrais na prática do perito avaliador de imóveis certificado. É nesta secção que se definem os alicerces técnicos que sustentam a estimativa do valor e, nesse sentido, ela obriga o perito avaliador a fazer uma escolha clara, justificada e tecnicamente fundamentada da abordagem e do método a utilizar. No entanto, é precisamente aqui que se comete um dos erros mais recorrentes nos relatórios de avaliação: começar por falar em métodos, sem mencionar ou sequer compreender que os métodos estão subordinados a uma abordagem.



João Fonseca | Perito avaliador de imóveis certificado

 

Este é um erro conceptual grave. As abordagens são os grandes eixos estratégicos do processo de avaliação e é dentro de cada uma destas abordagens (mercado, rendimento e custo) que se escolhe, então, o método mais adequado. Inverter esta hierarquia é não perceber a estrutura do processo avaliativo, comprometendo desde logo a lógica interna do relatório.

 

A Royal Institution of Chartered Surveyors (RICS) é clara: cabe ao avaliador a responsabilidade de selecionar e justificar a abordagem mais adequada ao caso concreto. Esta escolha não pode ser arbitrária, nem ditada pela conveniência ou familiaridade com um determinado modelo. Trata-se de uma decisão técnica, que deve assentar na natureza do ativo, na finalidade da avaliação e em quaisquer exigências legais, regulamentares ou contratuais associadas à instrução recebida.

 

Não basta, pois, afirmar que se aplicou o método comparativo ou o método de rendimento. É necessário explicar por que razão essa escolha foi feita, com base nas características específicas do imóvel e no contexto de mercado. Esta exigência de justificação é vital para assegurar a transparência do processo, a rastreabilidade das decisões tomadas e, sobretudo, a credibilidade do relatório final.

 

Outro aspeto que merece destaque nas orientações mais recentes da RICS é a crescente valorização dos métodos explícitos de crescimento, em particular o modelo dos fluxos de caixa descontados (discounted cash flow, ou DCF). Esta tendência tem sido impulsionada, em parte, pelas discussões sobre a possível obrigatoriedade do DCF nas avaliações de ativos de rendimento.

 

Contudo, importa sublinhar, e a RICS faz questão de o dizer, que o DCF não é obrigatório. O avaliador mantém total responsabilidade na escolha da abordagem e do método, cabendo-lhe avaliar se o modelo é o mais apropriado para o ativo em causa, tendo em conta a sua natureza, o objetivo da avaliação e a melhor prática técnica. Estar atento à evolução metodológica e às boas práticas internacionais é fundamental, mas isso nunca deve substituir o juízo crítico e profissional do avaliador. A responsabilidade não pode ser externalizada.

 

No fecho desta análise à VPS 3, é fundamental chamar a atenção para três erros que continuam, infelizmente, a surgir em muitos relatórios e que põem em causa a qualidade técnica do trabalho, bem como a reputação do avaliador.

 

O primeiro erro, já referido, é não indicar, de forma clara e fundamentada, quais foram as abordagens e os métodos utilizados. Não é admissível que um relatório se limite a apresentar números sem explicar o caminho técnico que os sustenta. A estrutura metodológica deve ser evidente: que abordagem foi seguida (mercado, rendimento ou custo) e, dentro dessa abordagem, que método foi concretamente utilizado.

 

O segundo erro prende-se com a aplicação de uma abordagem inadequada à natureza do ativo. Por exemplo, usar o método comparativo, que pertence à abordagem do mercado, em imóveis que geram rendimento contratualizado de forma contínua, sem que exista justificação para não aplicar a abordagem do rendimento (muito frequente nas avaliações para crédito hipotecário).

 

O terceiro erro é, mesmo dentro da abordagem correta, recorrer a métodos inadequados ou desajustados à finalidade da avaliação. Por vezes, por falta de dados ou por pressão de tempo, o avaliador opta por modelos simplificados que não refletem com rigor a realidade económica do ativo. Esta simplificação pode ter efeitos nefastos, sobretudo quando o relatório é utilizado para decisões relevantes, sejam elas financeiras, judiciais ou administrativas.

 

Em todos estes casos, o Red Book é perentório: se o avaliador não tiver segurança técnica, ética ou profissional para realizar a avaliação, deve recusar a instrução. Dizer “não” a um trabalho mal enquadrado ou metodologicamente inseguro não é uma falha — é um sinal de integridade. A confiança do mercado na profissão depende, em larga medida, da coragem com que os seus membros impõem limites à sua própria atuação.

 

Concluindo, a VPS 3 não trata apenas de escolher um método. Trata de compreender, justificar e documentar o caminho completo da avaliação, desde a escolha da abordagem até à aplicação do método. Ignorar esta estrutura é mais do que um erro técnico — é uma fragilidade profissional que pode comprometer a validade de todo o relatório.


A nunca a esquecer!

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