Preço, custo e valor: conceitos-chave na avaliação

 

No exercício da avaliação imobiliária, é frequente ouvirem-se afirmações como “Como é que o imóvel pode valer X, se eu paguei Y por ele?”. Esta pergunta, aparentemente simples, traduz uma confusão comum entre proprietários, investidores e até em alguns diplomas legais. Quem lida de perto com o Código das Expropriações sabe que a falta de distinção entre preço, custo e valor pode ter implicações significativas, sobretudo em processos judiciais e negociais.



João Fonseca | Perito avaliador de imóveis certificado


As Normas Internacionais de Avaliação (IVS 2025) estabelecem definições precisas para estes conceitos, garantindo uniformidade e clareza a nível global. O custo corresponde ao montante total necessário para conceber e construir um ativo, incluindo o preço do terreno, a construção e todos os encargos diretamente associados. O preço é o valor efetivamente pago numa transação, que pode ser influenciado por fatores externos, negociações específicas, condições de financiamento ou motivações particulares das partes, não coincidindo necessariamente com o valor de mercado. Já o valor é uma estimativa fundamentada do montante que o ativo poderia alcançar numa transação entre partes independentes, bem informadas e sem constrangimentos, refletindo as condições do mercado na data de avaliação.


Um exemplo simples permite ilustrar estas diferenças. Imagine-se que um promotor constrói uma moradia para venda por 100 unidades monetárias. O custo total, incluindo terreno e construção, foi de 70 unidades monetárias. No momento da conclusão, o valor de mercado estimado, segundo as condições do mercado e uma avaliação independente, é de 120 unidades monetárias. Assim, o custo para o promotor foi de 70 unidades monetárias, o preço acordado na venda foi de 100 unidades monetárias, e o valor de mercado, baseado em evidência comparável e ajustada, correspondeu a 120 unidades monetárias.


Na prática, o mercado português tem exemplos atuais que evidenciam estas diferenças. Em 2024 e 2025, vários projetos de reabilitação urbana em Lisboa e no Porto foram transacionados a preços inferiores ao seu valor de mercado, devido a vendas rápidas para liquidez imediata, enquanto noutros casos, imóveis adquiridos por investidores institucionais ultrapassaram largamente o valor de mercado estimado, impulsionados por expectativas futuras de rentabilidade e pela escassez de produto prime. Também no sector hoteleiro, operações recentes demonstraram que o preço pago pode refletir fatores estratégicos — como a entrada num novo segmento ou localização — mais do que o valor apurado segundo as metodologias previstas nas IVS.


É essencial compreender que, de acordo com as IVS 2025, a estimativa do valor deve basear-se em métodos e abordagens adequados ao ativo e ao propósito da avaliação, nomeadamente a abordagem de mercado, a abordagem do rendimento ou a abordagem do custo, sendo obrigatória a justificação técnica da escolha. A confusão entre estes conceitos, especialmente em contextos legais como expropriações, partilhas ou processos de liquidação, continua a gerar disputas e decisões contestadas nos tribunais portugueses.


Distinguir claramente preço, custo e valor não é apenas uma questão académica: é uma necessidade prática para assegurar transparência, prevenir litígios e promover decisões de investimento mais informadas. Para o perito avaliador de imóveis certificado, significa cumprir com as normas internacionais e produzir relatórios consistentes; para o comprador ou investidor, implica perceber que o preço pago não é, por si só, indicador de valor; e para o legislador, representa a responsabilidade de criar enquadramentos legais que respeitem esta diferenciação.


Num mercado cada vez mais globalizado e sujeito a volatilidade económica, manter esta clareza conceptual é fundamental para proteger os interesses de todas as partes envolvidas e garantir avaliações que sirvam de base a decisões sólidas e sustentáveis.

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