O relatório do Tribunal de Contas e a avaliação de imóveis da Segurança Social
Na
semana em que escrevemos este artigo, foi notícia destacada na imprensa o
relatório do Tribunal de Contas da auditoria realizada à gestão do património
da Segurança Social.
As
críticas ao relatório foram políticas e técnicas. Quanto às primeiras,
obviamente não nos vamos preocupar com elas. Já quanto às segundas, temos uma
opinião a dar.
Os
comentários que vamos proferir são estritamente técnicos e só vinculam o autor
do artigo.
Vamos
então começar pelo primeiro equívoco do Tribunal de Contas.
Na
página 4, quando no glossário apresenta as definições dos vários métodos de
avaliação, referem sempre “Método para determinação do valor de mercado…” .
Qualquer
uma das normas internacionais de avaliação (IVS, seguidas pelo RICS/EVS,
seguidas pelo TEGoVA/ASAVAL) referem sempre que na avaliação imobiliária calcula-se o valor de mercado dos imóveis. Qualquer uma das normas começa sempre por “Estimativa do valor mais provável…”.
Queremos
com isto dizer que é natural que exista uma diferença entre os valores
estimados numa avaliação e os valores pelos quais efetivamente os imóveis foram
transacionados. Este facto em nada abala a credibilidade de uma avaliação
imobiliária.
Agora, vamos querer verificar se as definições utilizadas no
glossário (renda de mercado e valor de mercado) estão de acordo com a fonte
utilizada. De acordo com o relatório, a fonte utilizada é a Royal Institution
of Chartered Surveyors [RICS] Valuation – Global Standards – 2017.
As definições de renda de mercado e valor de mercado reproduzidas
acompanham as definições do RICS exceto num ponto. De facto, nas IVS/RICS, não
se refere a transação de propriedades mas sim de ativos ou passivos.
Já quanto à definição de “Valor
em uso continuado” que foi apresentada, representa, literalmente, um tiro ao
lado!
Não tem nada a ver com a noção de uso continuado na avaliação de imóveis. O valor do imóvel em uso continuado é o valor que o
imóvel tem atendendo à utilização que lhe é dada atualmente (aliás, o RICS
suporta que o valor de mercado é obtido tendo em atenção a máxima e melhor
utilização, que tanto pode ser obtida em uso continuado ou num uso alternativo.
O maior dos dois valores corresponde ao valor de mercado).
A noção apresentada foi “Valor
pelo qual uma propriedade pode ser transacionada entre um possível comprador e
um possível vendedor, ambos tendo conhecimento de todos os factos pertinentes,
sem agirem sob pressão indevida e com equidade para ambas as partes, podendo
ser assim definido pelo montante que justifica a posse.”
Admitimos que terá sido um equivoco
de impressão.
Uma matéria em que o
Tribunal de Contas terá razão é quanto ao valor de venda imediata. De facto, os
imóveis não podem ser vendidos com base no valor de venda imediata porque,
simplesmente, este valor não existe!
A este respeito escrevemos
em setembro de 2019 o artigo “Valor
de venda imediata”, que convidamos os leitores a revisitar. Aqui é
explicado que “Uma vez que todas as restrições tenham sido identificadas,
poderá ser entendido como uma avaliação do valor de mercado. Assim, o avaliador
não deverá efetuar uma avaliação baseado numa venda forçada, mas sim baseada no
valor de mercado, com pressupostos específicos declarados e relevantes para o
caso em questão.”
Só mais dois apontamentos finais.
Na página 29 do relatório é
afirmado “Assim, para determinação do valor base do procedimento de alienação,
os imóveis “(…) são sujeitos a avaliação por peritos avaliadores inscritos na
CMVM, cumprindo os critérios da “Ethics and Standarts” do RICS (…),..”. O autor
é membro RICS mas desconhece o documento “Ethics and Standarts” do RICS...
Na página 30 é referido “Ora,
os custos relativos à aquisição de serviços de avaliação de imóveis rondam os
100€, um montante exíguo face aos benefícios que advêm do reforço das garantias
de que os preços atribuídos aos imóveis nas avaliações, que suportam o preço
base dos procedimentos de alienação, correspondem ao justo valor dos imóveis,
especialmente nos imóveis de maior valor, pelo que a argumentação apresentada
não colhe.”.
Se efetivamente só pagam
100€ para uma avaliação de “imóveis de maior valor”, é natural que não tenham
os melhores avaliadores, muito menos avaliadores com o título RICS ou REV!
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