Combater o crime financeiro no setor imobiliário: o novo padrão global da RICS

 

Combater o crime financeiro no setor imobiliário: o novo padrão global da RICS




O setor imobiliário tem sido, ao longo dos anos, um canal privilegiado para práticas de branqueamento de capitais, corrupção e financiamento do terrorismo. A natureza dos ativos – de elevado valor, duradouros e transacionáveis em diferentes jurisdições – torna-os particularmente atrativos para fluxos financeiros ilícitos. Consciente desta realidade, a Royal Institution of Chartered Surveyors (RICS) publicou, em setembro de 2025, a 2.ª edição do padrão profissional global para combate ao crime financeiro, com entrada em vigor a 17 de dezembro do mesmo ano.

O documento aplica-se a todos os membros e empresas reguladas pela RICS, em qualquer país (pode e deve ser seguido por qualquer perito avaliador de imóveis certificado). Sempre que as suas orientações colidam com a legislação local, prevalece a lei nacional. Ainda assim, a norma vai frequentemente além das obrigações legais, promovendo padrões mais elevados de integridade e ética.


Principais áreas de risco

A nova norma organiza-se em torno de quatro grandes áreas: suborno e corrupção, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, sanções e outras considerações de integridade (due diligence, PEPs, whistleblowing, inteligência artificial, entre outras).


1. Suborno e corrupção

  • Obrigatório: não oferecer nem aceitar subornos; cumprir a legislação aplicável; reportar suspeitas; avaliar periodicamente os riscos; manter registos escritos de conformidade.
  • Recomendado: política interna escrita e revista anualmente; registos de presentes e hospitalidade; nomeação de um responsável de ética/compliance.

2. Branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo

  • Obrigatório: diligência sobre clientes e beneficiários efetivos (KYC/CDD); reporte de suspeitas; confidencialidade (evitar tipping off); controlos reforçados em pagamentos digitais.
  • Recomendado: política escrita de AML/CFT; formação recorrente; avaliação de risco de financiamento da proliferação; verificações específicas em compradores e vendedores.

3. Sanções

  • Obrigatório: não negociar com entidades sancionadas (SDNs); implementar controlos e treino; avaliar riscos em relações de negócio.
  • Recomendado: política escrita de sanções; governança proporcional; responsável sénior designado para sanções.

4. Outras considerações

  • Due diligence: simplificada em baixo risco ou reforçada em alto risco (ex.: PEPs).
  • Reliance: confiança em terceiros regulados, mas responsabilidade final mantém-se na empresa.
  • Código de conduta e whistleblowing: incentivados para promover transparência.
  • Inteligência Artificial: útil para reforçar controlos, mas também geradora de riscos como deepfakes.

Uma abordagem baseada no risco

Um dos princípios centrais da norma é a abordagem baseada no risco. Em vez de aplicar os mesmos procedimentos a todas as situações, as empresas devem avaliar:

  • Quem é o cliente;
  • O que está em causa na transação;
  • Porquê está a ser solicitada determinada operação.

Desta forma, os recursos mais intensivos são canalizados para clientes, setores ou países de maior risco.


Porque é que isto importa?


O impacto do crime financeiro vai muito além da reputação de uma empresa. O branqueamento de capitais e a corrupção distorcem mercados, prejudicam comunidades e minam a confiança no setor imobiliário. Quando profissionais e empresas se tornam cúmplices – mesmo que por negligência – acabam por abrir portas a fluxos ilícitos que retiram recursos a economias inteiras.

Por outro lado, a conformidade com padrões como este da RICS reforça a credibilidade junto de investidores, instituições financeiras e clientes internacionais. Num mercado cada vez mais global, demonstrar transparência e robustez ética é um fator competitivo.


Conclusão

O novo padrão global da RICS é simultaneamente uma exigência e uma oportunidade. Exigência, porque impõe regras claras sobre o que é inaceitável e sobre as responsabilidades mínimas de cada profissional. Oportunidade, porque permite ao setor imobiliário posicionar-se como um aliado essencial na luta contra o crime financeiro, salvaguardando a confiança nos mercados e no investimento.

Em última análise, a mensagem é simples: combater o crime financeiro não é apenas uma obrigação legal, é uma responsabilidade ética e profissional.


Sem comentários:

Com tecnologia do Blogger.